Qual a forma natural de uma gota de água? É a familiar forma tipo ‘cebola’ que a gota
adquire em queda livre? Não. A resposta correta é uma esfera perfeita, a mesma forma
da dos buraco negros mais simples. Mas se à gota for acrescentada uma carga elétrica,
esta pode adquirir novas formas. O mesmo acontecerá a um buraco negro? A resposta
permanecia desconhecida até agora. Afinal os buracos negros quando sujeitos a cargas
elétricas podem comportar-se de uma maneira semelhante à das gotas de água. A
descoberta é de uma equipa de físicos da Universidade de Aveiro (UA).
Havia até agora uma interessante, mas incompleta, semelhança entre o
comportamento da familiar gota de água e o comportamento de um objeto bem mais
exótico: um buraco negro, uma região do espaço tempo da qual a luz não consegue
escapar.
O físico britânico Lord Rayleigh, que ganhou o prémio Nobel da física em 1904 pela
descoberta do gás nobre Árgon, demonstrou em 1879 que uma gota de água, isolada
de forças externas (incluindo o campo gravítico) tem uma forma esférica. Rayleigh
demonstrou ainda que esta forma é estável: se a gota for ligeiramente perturbada,
oscila um pouco e retorna novamente à forma esférica.
Três anos mais tarde, o britânico obteve outro resultado fundamental em dinâmica de
fluidos. Se a gota tiver carga elétrica, pode continuar esférica, mas se a carga exceder
um certo limiar, o denominado limite de Rayleigh, a gota deixa de ter preferência pela
forma esférica. Isto é, se a perturbarmos um pouco, a gota desvia-se da forma esférica.
Gotas com carga excedendo o limite de Rayleigh podem adquirir novas formas não
esféricas, que são mais estáveis - porque minimizam a repulsão entre as cargas
elétricas - do que uma esfera perfeita.
Uma semelhança inesperada
“Tal como uma gota de água neutra [sem rotação], um buraco negro em equilíbrio
tem de ser esférico e esta é a sua forma mais estável. Mas a semelhança entre a gota
de água e o buraco negro não tinha continuidade se introduzíssemos carga elétrica”,
explica Carlos Herdeiro, investigador do Departamento de Física e do Centro para a
Investigação e Desenvolvimento da Matemática e Aplicações (CIDMA) da UA, e
coordenador do estudo publicado este mês na revista Physical Review Letters.
“Enquanto que a gota de água carregada apenas prefere ser esférica até ao limite de
Rayleigh, o buraco negro com carga elétrica parecia preferir sempre ser esférico”,
aponta o físico que no artigo assinado juntamente com Eugen Radu, também da UA, e
em colaboração com dois outros investigadores da Universidade de Valência
(Espanha), mostra que, afinal, buracos negros carregados podem-se comportar de uma
maneira muito semelhante a uma gota de água com carga elétrica.
O artigo intitula-se "Spontaneous scalarisation of charged black holes", que Carlos
Herdeiro considera no âmbito da Física-Matemática e não da Astrofísica. Neste
trabalho, os investigadores mostram que, tal como a gota de água, os buracos negros
carregados apenas têm que ser esféricos até um certo limiar de carga. “A partir desse
limiar, outras formas não esféricas tornam-se possíveis, e até preferenciais,
exatamente como no caso das gotas carregadas”, aponta Carlos Herdeiro.
O ingrediente fundamental que permitiu aos investigadores da UA encontrarem este
novo comportamento de buracos negros carregados, foi considerar a interação entre o
campo eletromagnético e outras partículas.
“Quanto esta interação é considerada, surge um novo “canal” para o buraco negro se
aliviar da repulsão entre as suas cargas elétricas, ao criar uma nuvem de partículas
carregadas em seu redor”, explica Carlos Herdeiro. Esta nuvem, adianta, “pode tomar
várias formas geométricas não esféricas, e como contém uma parte considerável da
energia do buraco negro, a forma do buraco negro, que é determinada pela forma da
fronteira deste – denominado por horizonte de acontecimentos – adapta-se à forma da
nuvem, deixando o buraco negro de ser esférico”.
Para além de mostrar que estes buracos negros não esféricos existem, o artigo mostra,
para o caso mais simples, que esta transferência de energia e carga elétrica do buraco
negro para a nuvem de partículas em seu redor pode ocorrer dinamicamente e
espontaneamente.
Investigação de Carlos Herdeiro e Eugen Radu do Departamento de Física da
UA.
Um buraco negro pode comportar-se como uma gota de água? Sim!
Um buraco negro pode comportar-se como uma gota de água? Sim!
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