BfK Ideas premeia “reciclagem” de fígados, terapêutica para feridas cutâneas, construção sustentável e gamificação para disléxicos
Projetos nascidos da investigação científica em Instituições de Ensino Superior como Instituto Politécnico do Cavado e do Ave e Universidades da Beira Interior, Trás-os-Montes e Alto Douro e Porto vencem concurso de ideias da ANI.
Já são conhecidos os quatro projetos vencedores do programa Born from Knowledge(BfK) Ideas, promovido pela Agência Nacional de Inovação (ANI), que visa impulsionar a transferência de conhecimento das Instituições de Ensino Superior para o tecido empresarial. Nesta edição do concurso estiveram representadas 29 Instituições de Ensino Superior nacionais. A final decorreu ontem, no Centro de Congressos da Alfândega do Porto, tendo sido distinguidos quatro projetos.O futuro dos transplantes de fígado está neste projeto: 50.000 vidas podem ser salvas por ano.
Orgavalue (Universidade do Porto)
Apesar de Portugal, ser o sexto país do mundo com mais transplantes hepáticos por ano, a lista de doentes que aguardam um órgão para transplante é extensa. Segundo os promotores da Orgavalue, 30 pessoas morrem diariamente enquanto esperam por um transplante e 54% rejeitam o novo órgão.
O problema não está na falta de órgãos, mas na qualidade dos mesmos. No caso específico do fígado, a Orgavalue diz que, todos os anos, são desperdiçados 28.000 órgãos, que poderiam salvar a vida de 50.000 pessoas.
É para colmatar este problema que surge a OrgaValue, uma tecnologia de bioengenharia inovadora que permitirá reabilitar órgãos humanos, tornando-os totalmente transplantáveis. A solução é baseada numa solução líquida de limpeza que remove ascélulas, deixando uma matriz não celular com a matriz orgânica apropriada. Então, novas células humanas saudáveis são introduzidas na matriz para bioengenharia de um novoórgão. O processo é otimizado pela máquina de perfusão da Orgavalue. Uma vez concluído, o órgão de bioengenharia pode ser implantado no paciente usando técnicas eequipamentos de transplante existentes.
A Orgavalue está pronta para iniciar o desenvolvimento do processo de fabricação em pequena escala, suscetível às Boas Práticas de Fabricação (BPF) e entrar em testes pré-clínicos piloto. É expectável que o primeiro ensaio pré-clínico de Fase 1 ocorra no final de 2025 com o fígado de bioengenharia desenvolvido (“BeLiver”). 2028 é o ano em que a Orgavalue espera entrar no mercado.
Terapêutica veterinária biológica cura feridas cutâneas mais rapidamente, com menos custos e menor impacto ambiental
PlatGen® (Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro)
Quem tem um animal doméstico, um cão ou um gato, sabe que as feridas cutâneas por causa de infeções, acidentes, mordidas e até cirurgias, além de serem frequentes, são, muitas vezes difíceis de tratar, infetando frequentemente. Além de serem usados antisséticos, antibióticos e vários outros materiais que constituirão resíduos hospitalares, a conta no veterinário é elevada. Segundo os promotores do projeto, os custos por animal ascendem em média a 420€.
PlatGen® é um produto terapêutico, eficaz na regeneração de feridas complexas.Apresenta capacidade antimicrobiana e analgésica, sendo biocompatível, biodegradável e sustentável.
Surgiu do desenvolvimento de uma tese de doutoramento em Ciências Veterinárias da UTAD, tem já uma patente em curso, e artigos científicos revistos por pares, já publicados.
Sendo as feridas cutâneas muito comuns na clínica diária de cães e gatos, este produto vem, numa alternativa biológica, ecológica e mais económica, solucionar um problema complexo, moroso e muito dispendioso. Mais do que cicatrizar, estimula e acelera os mecanismos de regeneração tecidular e é constituído por proteínas de elevado valor biológico derivadas de plaquetas e leucócitos. Mesmo as lesões de grande dimensão einfetadas são resolvidas com a aplicação de Platgen® de forma eficaz, terminando numa cicatriz vestigial.
A sua aplicação no tratamento de feridas cutâneas de cães e gatos já está publicada por este grupo de trabalho, nos resultados científicos anteriormente referidos.
Constitui uma alternativa não química às opções convencionais já existentes no mercado (químico/farmacológicas, como antibióticos). É aplicado diretamente na lesão, sendo absorvido de uma forma natural ao longo do tempo, diminuindo a frequência da mudança de penso. Consequentemente, diminui os resíduos e desperdícios produzidos em contexto clínico, assim como os gastos associados a diferentes consultas/deslocações, incluindo intervenções cirúrgicas, que podem ser complexas e que comportam riscos, associados à anestesia.
As feridas tratadas com este produto não necessitam de aplicação tópica de antibióticos, antissépticos e analgésicos, contribuindo para a redução da pegada ecológica. De forma direta, o Platgen® está comprometido com a diminuição da resistência a antibióticos, assim como o aparecimento de bactérias multirresistentes, num conceito One Health.
O Platgen® tem como alvo inicial a aplicação em feridas de cães e gatos, com provas científicas de aplicação xenogénica. No futuro, os promotores pretendem que a sua utilização se estenda a outras espécies animais, incluindo humanos.
Impressão 3D chega à construção civil numa espécie de “tetris” sustentável
BOB – Bulding Out of the Box (Universidade da Beira Interior)
Apesar de o setor da construção representar 13% do PIB mundial, a sua pegada ambiental e baixa produtividade constituem um calcanhar de Aquiles. Para os promotores do projeto BOB, a digitalização tem de chegar a este mercado, permitindo-lhe evoluir para materiais inovadores, redução de recursos utilizados e zero desperdício.
Para que tal aconteça, conceberam uma solução inovadora que irá atuar na indústria da construção civil em três vertentes: digitalização do processo comercial de empresas de impressão 3D de betão e outras argamassas; impressão 3D de vários elementos decorativos e estruturais, nomeadamente para projetos de renovação urbana e impressão de corais e outras estruturas baseadas na natureza; investigação e desenvolvimento de materiais de impressão através do aproveitamento de resíduos industriais, minas, entre outros.
A investigação, que está a ser feita através do C-Made, da Universidade da Beira Interior, já está no terreno, nomeadamente no município do Fundão, onde os promotores estão a scanear prédios devolutos e a desenvolver módulos para encaixarem nas estruturas existentes, quase como se de um “tetris” se tratasse.
O projeto BOB está ainda a desenvolver um tipo de betão absorvente de CO2.
Jogo interativo para crianças com dislexia
As Aventuras de Lexie (Instituto Politécnico do Cávado e do Ave)
Segundo os promotores do projeto, uma em cada cinco pessoas em todo o mundo sofre de dislexia e 50% das crianças abandonam o ensino por causa desta perturbação, caracterizada essencialmente pela dificuldade da leitura, mas não só. A intervenção precoce, através de terapias, permitiria reabilitar muitas destas crianças, mas, na maioria dos casos, o diagnóstico é tardio e as terapias dispendiosas.
Foi para ajudar as crianças com dislexia que surgiu o projeto As Aventuras de Lexi, um jogo que permite, de forma divertida, ultrapassar as limitações de aprendizagem. O conceito assenta na oportunidade de as crianças interagirem com as várias personagens e obter uma satisfação a jogar e a praticar os exercícios propostos, sempre através de desafios que tragam motivação. O jogo permite ainda aos pais, educadores, terapeutas e psicólogos o acesso aos dados de resultados dos minijogos de forma a poderem acompanhar o desenvolvimento da criança ao longo do período de jogabilidade.
Com a marca registada e algum trabalho de campo com crianças disléxicas, o projeto pretende submeter o registo de patente no próximo ano. Os seus clientes serão pessoas individuais, escolas e municípios e, além do mercado nacional, a marca projeta entrar também no Brasil.
João Borga, administrador da Agência Nacional de Inovação, acredita que a investigação científica produzida nas instituições de ensino superior é cada vez mais surpreendente, incentivando os vencedores do BfK Ideas a aproveitarem todas as oportunidades para chegarem ao mercado. No dia em que anunciou a criação de uma rede de gabinetes de transferência de tecnologia (TTOs), que envolve todas as instituições de ensino superior portuguesas, o responsável relembra “a importância de estas entidades cooperarem entre si e com o tecido empresarial para que a transferência do conhecimento em Portugal não se perca e contribua para uma economia sustentável e resiliente”.
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