A editora FCA anunciou a publicação da 2ª edição de “Introdução à Cibersegurança - A Internet, os Aspetos Legais e a Análise Digital Forense” com conteúdos atualizados, numa altura em que este tema está na ordem do dia, atendendo ao aumento expressivo do número de ciberataques a que temos vindo a assistir nos últimos anos.
Esta atualização contribui para a formação contínua dos utilizadores sobre o funcionamento da Internet, dos seus principais serviços e das estratégias de prevenção que aí podem ser aplicadas, com vista à gestão e à minimização dos eventuais riscos da sua presença no ciberespaço.
Já tivemos a oportunidade de analisar o livro e este tem uma linguagem simples e é uma preciosa fonte de informação sobre os variados temas de interesse no âmbito da segurança na Internet.
Podes saber mais sobre ele aqui.
Mário Antunes e Baltazar Rodrigues, possibilitaram-nos um conversa, na qual agradecemos imenso a oportunidade, onde nos falam de alguns dos temas do livro mas também um pouco sobre a temática de Cibersegurança e cuidados a ter.
Vale a pena ler o que vem a seguir.
Uma breve apresentação do vosso Percurso.
Mário Antunes:
O meu percurso profissional iniciou-se em 1988. Desde então até 2001 tive o privilégio de passar por várias empresas do grupo Sonae, onde desempenhei várias funções ligadas à informática e às tecnologias de informação. Foi uma experiência pessoal e profissional riquíssima, já que tive oportunidade de acompanhar a evolução da Internet e dos seus serviços num contexto empresarial e em áreas de negócio desafiantes. A minha formação académica é em Engenharia Informática, designadamente a Licenciatura no Instituto Superior de Engenharia do Porto, o Mestrado em Informática na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto e, mais tarde, o Doutoramento em Ciência de Computadores também na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto.Desde 2004 desempenho funções de docente no departamento de Engenharia Informática na Escola Superior de Tecnologia e Gestão do Politécnico de Leiria. Tenho a responsabilidade e lecionação de unidades curriculares nas áreas temáticas de Redes de Computadores, Segurança na Internet, Administração de Sistemas e Serviços de Rede e Infraestruturas de Cloud e de Data Centers. Desde 2017 coordeno o curso de mestrado em cibersegurança e informática forense. Atualmente sou membro efetivo e investigador do Center for Research in Advanced Computing Systems do INESC TEC e colaboro com o Centro de Investigação em Informática e Comunicações do Politécnico de Leiria.
Baltazar Rodrigues:
Sou inspetor da Polícia Judiciária desde 1990, tendo em 1997 sido colocado na secção de investigação do crime informático e tecnológico (atualmente UNC3T), onde me especializei no combate à cibercriminalidade e informática forense. Fiz várias formações (nacionais e internacionais) especializadas e em 2005 assumi a chefia do primeiro grupo de informática forense da PJ, ainda no seio da SICIT. Mais tarde, em 2014 chefiei o grupo nacional de informática forense da PJ e, em 2016, a meu pedido fui colocado UNCT, onde investiguei crimes de terrorismo e ciberterrorismo. Desde 2017 chefio a brigada de combate ao crime contra o património e cibercrime na ULIC de Évora.
Quando surge a cibersegurança nos vossos caminhos?
Mário Antunes:
A segurança informática foi sempre uma área transversal que me acompanhou ao longo do percurso profissional, quer enquanto administrador de sistemas, quer como docente do ensino superior. Desde 2010 tenho-me dedicado à investigação aplicada nas áreas da cibersegurança, ciberconsciencialização, segurança da informação e informação forense, nomeadamente através de projetos em parcerias com empresas, orientações de estudantes e organização inúmeras ações de formação.
Baltazar Rodrigues:
A cibersegurança surge por inerência das funções profissionais, ainda nos anos 90, fundamentalmente pela necessidade de conhecer mais e melhor os sistemas de segurança e as falhas/vulnerabilidades mais comuns. Este conhecimento foi crucial para permitir a conclusão, com sucesso, quer das investigações de cibercrime, quer das perícias forenses.
Pode dar uma breve explicação aos leitores da importância de saber usar a Internet e particularmente as redes sociais?
A Internet é um recurso imprescindível, sendo difícil imaginar o nosso dia-a-dia sem recorrer, por exemplo, a Web ou o serviço de e-mail. No entanto, o desenho e a implantação da Internet não tiveram em conta os comportamentos desviantes que alguns utilizadores adotam online, recorrendo à Internet para praticar crimes com recurso aos meios informáticos.As redes sociais possibilitam a existência digital dos seus utilizadores. Pela interatividade que proporcionam, as redes sociais são também o meio privilegiado para os criminosos desenvolverem a sua atividade ilícita. Para tal, utilizam várias técnicas, como a engenharia social, aproveitando sempre o desconhecimento ou a pouca experiência dos utilizadores.O uso das redes sociais deve ser levado a cabo com muita parcimónia, nomeadamente na informação partilhada, a altura em que a mesma é partilhada, os contactos com quem essa informação é partilhada e os dados pessoais que são divulgados pelos utilizadores.Em suma, conhecer o funcionamento da Internet e dos seus serviços é um passo fundamental para nos protegermos e, assim, evitarmos eventuais problemas na nossa utilização da Internet.
Quais os erros mais frequentes cometidos pelas pessoas, de matéria criminal, no uso da internet e redes sociais?
É, sem dúvida, a partilha desatenta de informação, nomeadamente de caracter pessoal, em vários serviços e plataformas digitais na Internet. A interação com outros utilizadores digitais que não conhecemos presencialmente, ou ainda a visita indiscriminada a sítios não confiáveis e com várias vulnerabilidades identificadas (por ex. sem certificado de segurança), constituem falhas frequentes dos utilizadores da Internet. Por fim, o descarregamento e instalação de aplicações a partir de locais pouco confiáveis é igualmente um comportamento que potencia a posterior exfiltração de dados e compromete o bom funcionamento do computador e da rede em que o mesmo está ligado.
Em Portugal, qual o momento em que a cibersegurança ganha importância?
Em Portugal, a par dos outros países, a cibersegurança foi ganhando importância à medida que a Internet foi aumentando de dimensão (número de utilizadores ligados e abrangência territorial), passando a integrar as pessoas, as empresas e outras organizações, algumas delas suportando serviços críticos. A exfiltração de dados pessoais, empresariais ou comerciais, o acesso ilícito a contas bancárias ou aos equipamentos informáticos, fez começar a soar os alarmes relativamente à necessidade de identificar e monitorizar o risco de cibersegurança, de adotar medidas preventivas e de implementar soluções de mitigação e continuidade do negócio após a ocorrência de um ciberataque.
Em poucos passos, como uma pessoa pode identificar um cibercrime e qual a forma mais rápida de apresentar queixa às autoridades?
Infelizmente quando um utilizador se apercebe que foi ou está a ser vítima de um crime praticado pelos meios de comunicação eletrónica, já é tarde demais para o evitar.Há alguns sinais que poderão indiciar que pode ter sido vítima de um crime informático:
- se verificar que perdeu inesperadamente o acesso a uma conta, nomeadamente das redes sociais ou e-mail;
- se inadvertidamente clicou num link que lhe foi enviado por email e foi redirecionado para um sítio semelhante ao seu banco;
- se constatou movimentos que desconhece na sua conta bancária;
- se descarregou inadvertidamente uma aplicação que desconhece e viu o seu sistema deixar de funcionar normalmente, ficando com os seus dados cifrados;
- se recebeu uma mensagem ameaçadora ou de pedido de resgate, independentemente do motivo;
- se recebeu uma SMS de um número desconhecido a pedir um contacto ou informação confidencial; ou ainda
- se recebeu uma mensagem de um familiar próximo, de um número que desconhece.
São inúmeras as situações que constituem uma ameaça à nossa utilização da Internet, através dos vários equipamentos eletrónicos que utilizamos. Em caso de suspeita de alguma atividade ilícita contra os seus dados e/ou equipamentos, o primeiro passo deverá ser o contacto, o mais rápido possível, com o serviço de piquete da Polícia Judiciária, mais perto de si.
A pandemia foi uma agravante em matéria de cibercrimes?
A pandemia fez com que mais utilizadores, com menos experiência, tivessem uma presença constante na Internet, deixando-os mais vulneráveis aos comportamentos desviantes.A rapidez com que o país (e o mundo) colocou muitas pessoas em teletrabalho, não permitiu porventura dotá-las de instrumentos e formação necessários para fazer face a ameaças antigas e outras que foram intensificadas durante este período.Convém recordar que as famílias ficaram em casa e tiveram de partilhar computadores pessoais, por exemplo entre pais e filhos. Ora, os computadores pessoais das empresas têm necessariamente informação do negócio e não devem ser utilizados para fins pessoais. Quando estamos em teletrabalho ou acedendo à Internet através de uma rede desprotegida, devemos sempre usar uma VPN (Virtual Private Network) para acesso aos serviços da empresa. Desta forma, é possível assegurar a comunicação cifrada entre o computador pessoal e a empresa.Em suma, a pandemia incentivou as atividades criminosas no ciberespaço, muito por força da rapidez com que se colocaram as pessoas em teletrabalho, sem se ter acautelado a formação e as regras básicas de utilização do computador pessoal, que essa nova realidade deveria exigir.
Que cuidados deve ter o cidadão no dia-a-dia?
É uma pergunta de âmbito muito vasto e a resposta terá sempre de estar relacionada com o tipo de utilização e os serviços utilizados na Internet.Globalmente, aprenda sobre o funcionamento da Internet é um primeiro passo para prevenir um vasto conjunto de ciberataques e exploração de vulnerabilidades. Além de livros e outras publicações sobre o tema, há várias formações gratuitas disponíveis, onde se poderão destacar as disponibilizadas pelo Centro Nacional de Cibersegurança.Há um conjunto de medidas que são de âmbito geral, onde se podem destacar as seguintes:
- Use palavras-passe complexas e alterá-las com frequência.
- Não instalar aplicações provenientes de locais acessíveis através de links enviados por e-mail, especialmente de remetentes que não são conhecidos.
- Manter os sistemas operativos (PC e smartphone) atualizados, nomeadamente com as últimas atualizações de segurança. A instalação de um antivírus e de uma firewall constitui, sempre que disponível, uma boa medida de proteção.
- Escrever o link na barra de endereços do browser e ter sempre cuidado quando clica em links.
- Usar sempre ligações web seguras (assinaladas por um cadeado junto ao endereço), especialmente quando se trata de sites onde é necessário colocar informações confidenciais, como os serviços de home banking.
- Usar as redes sociais de forma consciente e não partilhar informações pessoais e confidenciais por essa via.
Por fim e não menos importante, não acredite em “super promoções” de produtos e tenha sempre muito cuidado com falsos contactos e burlas informáticas, normalmente difundidas por phishing (e-mail, SMS ou voz).Convém ainda reforçar que o telemóvel apresenta os mesmos riscos (ou até mais) que os computadores pessoais, na medida em que guarda informação pessoal e confidencial, como a localização, os contactos e conteúdos multimédia.
Quais os principais pontos a ter em conta numa análise digital forense?
Tal como a prova tradicional, a prova digital tem de ser admissível, autentica, exata e completa, com a agravante de que, dadas as suas características intrínsecas, é volátil e fungível. Assim, os peritos de informática forense aplicam sempre técnicas e procedimentos tendentes a preservar o estado original dos dados e equipamentos, recolhendo a máxima informação possível sem alterar “um bit”. A análise forense comporta quatro fases distintas, cada uma com as suas especificidades e desafios: a identificação da origem da prova digital, a preservação dessa prova, a pesquisa e análise de evidências e a reconstrução do evento ou demonstração probatória em relatório.
Portugal deveria investir em mais recursos humanos para esta área?
A integração e continua massificação da utilização da inteligência artificial, da inteligência computacional e da interligação de dispositivos de IoT, deveria motivar as empresas, organizações e instituições públicas a investir mais em cibersegurança, tendo em conta os riscos e ameaças novas a que poderão ser expostas.O investimento deve ser a dois níveis: tecnológico e de recursos humanos. Do ponto de vista tecnológico, aquelas entidades devem investir em soluções de segurança que identifiquem e previnam ciberataques, assentes em normas e boas práticas internacionais de segurança da informação e de cibersegurança. Relativamente aos recursos humanos, a aposta tem de ser necessariamente na formação, no treino e na ciberconsciencialização, com vista a mitigar possíveis ataques.
Como está Portugal a nível de investimento? Esta área requer infraestrutura atualizada?
Genericamente, o parque informático das instituições portuguesas está atualizado. No entanto o investimento em formação de especialistas em cibersegurança e informática forense, bem como o desenvolvimento de soluções tecnológicas para estas áreas necessita de ser intensificado, face às reais necessidades quer no setor público quer no setor privado.Embora haja na sociedade a consciência global de que a cibersegurança é importante, nalguns setores esta área é ainda negligenciada. Lembremo-nos que uma extensíssima parte do tecido empresarial é constituído por Pequenas e Médias Empresas, onde estes aspetos nem sempre são prioritários. É, pois, necessário que a mensagem sobre a urgência no investimento nas aplicações que suportam as aplicações do negócio, ao nível da cibersegurança, seja disseminada por todas as empresas e instituições, com vista a um robustecimento da segurança na infraestrutura de comunicações e nos dados.
Deveria ser obrigatória formação especializada para os utilizadores?
O conhecimento do funcionamento da Internet e das medidas de segurança deveriam fazer parte da formação inicial de todas as pessoas. A educação para a cidadania digital é uma necessidade urgente nos curricula dos estudantes, logo a partir do ensino básico e secundário.A formação e especialmente o treino em cibersegurança deve ser adotado pelas empresas, com vista a minimizar potenciais ataques, especialmente os que exploram as vulnerabilidades do fator humano. A cibersegurança deve ser vista cada vez menos como um problema tecnológico e, cada vez mais, como um problema cultural que afeta todos os setores de uma organização. A formação e o treino são fundamentais para todos os trabalhadores de uma organização, independentemente do setor em que trabalham.
Que conselhos deixa para quem explora o Lado Oculto da Web?
A motivação para o uso da “dark web” é a anonimização e a confidencialidade das comunicações através da utilização de browsers específicos para esse fim. Se, à primeira vista, estas duas características fomentam positivamente a privacidade, é importante reconhecer que é igualmente uma excelente alternativa para os cibercriminosos executarem as suas atividades ilícitas sem serem identificados.Por outro lado, a “dark web” indexa um vasto conjunto de documentos e sites que não estão acessíveis através dos motores de busca tradicionais (por exemplo, a Google). Trata-se de ligações que escapam às regras de ética dos motores de busca e, nesse sentido, relacionados com conteúdos ilegais e ilícitos (por exemplo, os dark markets), do interesse dos cibercriminais.Embora a utilização da “dark net” não seja ilegal, algumas atividades que aí se praticam poderão constituir crime. Assim, os utilizadores deverão recolher informação prévia sobre os sites que visitam e o emprego de todos os cuidados de anonimização e higienização do computador usado.
Que conselhos deixam para quem gosta e quer investir nas Criptomoedas?
As moedas virtuais, estão “na moda” e são um “negócio” de risco. Assim, também neste domínio se aconselha a recolha prévia informação (e formação) sobre o tema. É igualmente importante o uso de entidades reconhecidamente credíveis, quer na constituição de uma carteira (wallet), quer na escolha da moeda virtual e, sobretudo na escolha do corretor (exchange), pois a proliferação de moedas virtuais, carteiras e corretores falsos é uma realidade preocupante.
O que pode ser feito para contrariar essa tendência?
Tendo em conta a tendência crescente de utilização das criptomoedas, as medidas que poderão melhorar a sua utilização segura assentam na regulação e na formação dos utilizadores e do público em geral.Porque é que as pessoas deviam adquirir este livro?Para nos protegermos de algo, temos de compreender o seu funcionamento e, nessa medida, o livro constitui uma boa ferramenta para compreender o funcionamento da Internet e dos seus serviços principais. O livro utiliza uma linguagem simples e de fácil acesso, com o propósito de alcançar o maior número de pessoas com um mínimo de conhecimentos em informática. Embora haja um fio condutor entre os capítulos, estes são auto-contidos nos conhecimentos que transmitem.Não tendo a pretensão de ser um livro técnico, é sem dúvida uma ótima ferramenta de iniciação ao funcionamento da Internet e das redes sociais, à cibersegurança, à informática forense e à gíria do cibercrime e aos seus aspetos legais. O livro faz ainda uma introdução à exploração de informações em fontes abertas (OSINT) e ao funcionamento da dark web e das criptomoedas.
Qual o público alvo deste livro?
Este livro destina-se a todos os leitores com um mínimo de competências em informática. Embora o livro tenha um fio condutor, os capítulos são auto-contidos e permitem uma leitura autónoma. Genericamente, além do público em geral, este livro poderá captar a atenção de estudantes de várias áreas, juristas, magistrados, profissionais da investigação criminal e profissionais de informática forense.
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